quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O conceito de Kiai – 氣合

Kiai não deve ser traduzido como “união dos espíritos” e nem “grito do espírito” ou “espírito em forma de grito”.Kiai [氣合] pode ser feito sem som. A tradução mais próxima desta expressão seria “focalizar a energia vital” [氣=ki / 合=ai], a ideia é conduzir o efeito do movimento da energia emocional/vital para o adversário ou o alvo, através da concentração desse efeito num único ponto, no instante exato do kime [uso correto da potência muscular]. Além disso, ki não pode ser materializado, pois não é energia da mesma natureza que a energia descrita na física. Energia é matéria. Portanto quando falamos em Ki, que é algo que pertence ao domínio de potentia (o nível de possibilidades descrito por Werner Heisenberg), ao sutil, e não ao domínio físico, imanente, falamos de algo que está além da experiência objetiva e externa.
Vale lembrar também que Awazu é outra palavra [合う], não é sinônimo exato para Ai.
União, na cultura japonesa, como a ideia de unir mente e corpo por exemplo, como na yoga, é expresso pelo conceito “toitsu” [統一], literalmente “tornar uno”. União no sentido de “centrado” ou “inteiro” é expresso pelo conceito de “musubi” [結び].
O espírito, na cultura japonesa, tem pelo menos três representações: tamashii [魂 - alma], konpaku [魂魄 - mônada] e kokoro [心 - consciência/coração]. Existe ainda a ideia de espírito, não como algo “espiritual”, mas no sentido de “estado de ânimo”, e pra essa expressão o conceito japonês é o de seishin [精神], como quando dizemos “hoje vou usar o espírito guerreiro” [bushi no seishin].
O conceito de energia vital, Ki – 氣
Ki é explicado como o movimento do denso (matéria) para o sutil (potentia) e sua grafia tradicional mais conhecida é uma imagem do vapor (气) subindo do arroz (米) enquanto cozinha, ou seja, o movimento entre o denso (arroz, material) e o sutil (vapor, transcendente), então ki é algo que está entre a matéria e o espírito, não é o espírito em si, mas o movimento entre eles.
Por tudo isso Kiai não pode ser “união dos espíritos”. Simplesmente é comum entre os professores de artes marciais pegar um conceito popularizado como esses aqui comentados e ao darem uma olhadinha nos kanji, distorcerem os conceitos para algo que apóia a ideia errada compartilhada pelo senso comum.
KIME
O conceito de Kime – 決め
Kimeru - Definir
Kimeru – Definir
Kime é muitas vezes tratado como “potência”, a capacidade de nosso corpo gerar contração muscular, e com isso força, num pequeno espaço de tempo. Kime, em Karate-Dō, porém, é algo mais complexo, e apresentarei aquia fala do grande atleta e professor Luca Valdesi, da Itália.
Explica Valdesi sensei que o Kime é uma forma particular de usarmos a força. É a capacidade de focalizarmos nossa ação, e realizarmos a máxima contração muscular possível, com todo nosso corpo, no menor instante possível, e coincidindo com o momento em que a técnica está em sua “posição final”, ou de arremate, de conclusão. Seria como compararmos nosso soco com uma arrancada de um carro. Para socar, nosso corpo precisa estar relaxado, senão já está gastando energia que poderia ser usada na contração máxima do final, então arremetemos contra um alvo com toda velocidade possível, mas sem tensões desnecessárias. Então quando a mão que soca chega à posição final, de impacto contra um alvo, aí sim ocorre o Kime, ou seja, a contração máxima de todos os grupos musculares no menor instante possível, transferindo o máximo dano ao adversário. A comparação com a arrancada de um carro seria de que é como quando vemos um carro arrancar com toda velocidade ao abrir o sinal (início do soco) mas frear bruscamente com tudo que pode para não bater em um muro logo depois (Kime).
Valdesi sensei também chamou atenção de que podemos pensar um pouco também na ideia de “ki”, onde meu corpo permanece equilibrado e imóvel, quando o soco é bem executado com Kime, e paramos após nosso punho entrar um pouco na superfície do corpo do adversário, mas a força empregada e a energia intrínseca (Ki) seguem sendo transferidos para o corpo do adversário, causando o maior dano possível. No link abaixo, Valdesi sensei executa um bom kata com a demonstração perfeita do ótimo uso do kime:

Reprodução do site: http://pintokaratedojo.wordpress.com/tag/kime/

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